8 anos após o referendo

Aborto clandestino <br>Uma violência sobre as mulheres

Após as eleições legislativas antecipadas, que se realizaram em 2004, o PS optou por usar a sua maioria parlamentar ao serviço da insistência de referendar o aborto, em vez de o despenalizar no órgão de poder com competências para tal – a Assembleia da República.

Este Suplemento, coordenado por Miguel Inácio , sai como destacável de 8 páginas na edição normal (impressa) do Avante!

Inviabilizada que foi a sua proposta de realização do referendo pelo Tribunal Constitucional, o PS insistiu em proceder a apressadas alterações à lei do referendo (alargando as datas possíveis para a sua realização antes das eleições presidenciais ou após a eleição do novo Presidente da República) e a uma forçada interpretação do Regimento da Assembleia da República, o que lhe permitiu fazer aprovar uma nova proposta de realização de referendo.
Este não foi o entendimento do Tribunal Constitucional que, a pedido do então Presidente da República, Jorge Sampaio, avaliou esta matéria, tendo considerado que se tratou da aprovação de uma segunda proposta de realização de um referendo na mesma sessão legislativa, que não pode ter lugar.
Depois de ter proposto por duas vezes, num espaço de cinco meses, a realização de um referendo, que por duas vezes é inviabilizado, o secretário-geral do PS, face à decisão do Tribunal Constitucional, veio pedir «paciência democrática» às portuguesas face à intenção de voltar a propor a realização dessa consulta em Setembro de 2006, refugiando-se no cumprimento de uma promessa eleitoral.
Curiosa é também a postura do BE neste processo. Convergindo com o PS, a postura política dos «bloquistas» tem sido pautada pela sede de mediatização e de autopromoção a propósito das questões do aborto, numa atitude sobranceira e de permanente zigezague ora a favor do referendo ora a favor da aprovação de uma lei na Assembleia.
Na realidade, o saldo das iniciativas do PS com o apoio do BE, após a realização das eleições legislativas, é a manutenção do aborto clandestino, não obstante a existência da maior maioria de sempre de partidos que se afirmam pela despenalização do aborto.

Do lado oposto está o PCP, que, com o apoio de várias forças unitárias, continuará a lutar para mudar, na Assembleia da República, esta lei injusta e desajustada da realidade, um verdadeiro atentado aos direitos das mulheres, no plano da sua saúde sexual e reprodutiva.

Entretanto, exigindo a despenalização do aborto a pedido da mulher até às 12 semanas, passados que estão oito anos desde o Referendo sobre o Aborto, onde apenas 31 por cento dos eleitores votaram, sendo, por isso, à luz do nosso regime jurídico, inválido, foi criado um Movimento pela Despenalização do IVG, que está já a recolher assinaturas para entregar em Setembro, na Assembleia da República.

Carta a uma jovem
para o século XXI


«Um dia, entre os recortes dos jornais, ou no meio de uma História de Mulheres, tu ouvirás falar desta campanha, desta luta que travamos pela dignidade das mulheres.

(...) E vais achar brutal, tu que viverás no século XXI e terás ecos do flagelo do aborto clandestino, que tenha havido quem, neste final do século XX, ainda tenha defendido que o aborto inseguro, feito muitas vezes em bárbaras condições, é o destino inseparável da mulher, que a ele se tem de submeter, em sofrimento.

E vais ouvir-nos falar da tolerância e da convivência sã entre as mais variadas convicções. E ouvir-nos-ás lar deste final de séc. XX, contra uma lei que, de tanta intolerência feita, é filha da insensibilidade, da desemanidade, do regresso a tabus repressivos, das leis retrógradas sobre o papel da mulher no mundo.

(...) E saberás como foi difícil, a nós que nos batemos pelo direito a decidir, arrostar a intolerância e obscurantismo. Foi uma luta pela verdade, pelo direito das mulheres à cidadania, pelo direito à dignidade. A dignidade que tu, jovem que nos lês em recortes de jornais, terás no séc. XXI».
Odete Santos
in Avante!, 25 de Junho 1998



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Um crime contra a dignidade humana

Os comunistas, dentro e fora da Assembleia da República, continuam a sustentar com firmeza a exigência de se enfrentar, com coragem, o problema do aborto clandestino e de terminar com a criminalização que ofende os mais elementares valores humanos e civilizacionais e representa uma intolerável agressão e ameaça às mulheres portuguesas. Em entrevista ao Avante!, Fernanda Mateus, da Comissão Política do PCP, defendeu a aprovação de uma lei de despenalização do aborto, sendo indispensável que se desenvolva um vasto movimento de opinião que, entre outras finalidades, pressione os deputados nesse sentido.

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A abordagem da problemática da família é matéria sobre a qual o PCP sempre intervém com as iniciativas que tem considerado em cada momento mais adequadas, quer no que se refere ao aumento dos salários dos trabalhadores quer em iniciativas de aperfeiçoamento de mecanismos legais de protecção dos trabalhadores em função da maternidade e paternidade, de garantia de direitos das crianças e jovens e de melhoria da qualidade de vida dos idosos.

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A garantia de uma interrupção voluntária da gravidez, a pedido da mulher e até às 12 semanas, em condições de segurança, é parte integrante da promoção da saúde sexual e reprodutiva das mulheres, constante em múltiplas recomendações internacionais. Entretanto, foi criado o Movimento pela Despenalização do IVG que exige a despenalização do aborto a pedido da mulher até às 12 semanas. Neste sentido, um pouco por todo o País, recolhem-se assinaturas pelo direito de a mulher optar livremente por uma maternidade consciente e responsável. Este abaixo-assinado será entregue em Setembro e tem como objectivo chamar a atenção para a urgente necessidade da Assembleia da República alterar a actual lei. Estas preocupações são comuns a muitos cidadãos que, independentemente da sua opção política e ideológica, entendem que não é possível adiar por mais tempo a resolução deste problema.

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Cronologia

1954 – Álvaro Cunhal, a cumprir pena de prisão, defende a tese para exame do 5.º ano jurídico da Faculdade de Direito de Lisboa com o tema «O aborto, causas e soluções».1973 – 1.º Encontro do MDM onde «o direito das mulheres ao planeamento familiar e ao aborto nas melhores condições, de forma a não afectar a sua saúde e...